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TST vai julgar aplicação retroativa da reforma
Postado em 24 de Janeiro de 2024

Quase sete anos após entrar em vigor, ainda não há consenso sobre a possibilidade de aplicação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) a contratos anteriores às mudanças feitas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A questão está na pauta do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que decidiu analisá-la por meio de recurso repetitivo.

O vice-presidente do TST, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator do repetitivo, convocou interessados para se manifestarem e darem contribuições sobre o tema. Entidades e associações que queiram participar como partes (amicus curiae) devem enviar a solicitação em 15 dias úteis, contados a partir do retorno das atividades do tribunal, no dia 1º de fevereiro. Já foram admitidas como partes interessadas a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). A decisão dos ministros vai afetar os contratos de trabalho iniciados antes de 11 novembro de 2017, início da vigência da reforma. A discussão vale ainda para outras leis posteriores que suprimiram ou alteraram direitos laborais. Caso a maioria decida que a legislação não é retroativa, os trabalhadores poderão voltar a usufruir de benefícios excluídos pela reforma, como o pagamento pelo tempo de deslocamento até o trabalho (se não houver transporte público e/ou o local do serviço for de difícil acesso) e o intervalo intrajornada. Segundo o advogado Estêvão Mallet, sócio do Mallet Advogados, a maioria das turmas do TST é favorável à aplicação da reforma em contratos antigos - há precedentes da 4ª, 5ª, 7ª e 8ª Turmas. Já a 2ª, 3ª e 6ª Turmas julgam em sentido contrário. Por conta da divergência, caberá ao Pleno do Tribunal, composto por 27 ministros, colocar um ponto final no embate. O julgamento ainda não tem data marcada, mas deve ocorrer ainda este ano. Para Mallet, representante da Consif, deve prevalecer o entendimento da maioria, por não haver uma situação de direito adquirido. “A CLT sofreu mais de 4 mil alterações, mais de 200 leis foram criadas ao longo de 80 anos e nunca se teve dúvida sobre a aplicação retroativa”, afirma. Ele cita o vale-transporte, criado nos anos 1980, adotado também para os empregados contratados antes da vigência do benefício. Entendimento contra a aplicação ao passado, acrescenta, representaria violação ao princípio da isonomia. “Criaríamos duas categorias de empregado. Se um fosse contratado em 2015 e outro em 2020, mesmo trabalhando lado a lado e fazendo exatamente a mesma coisa, teriam direitos diferentes”, diz. Eduardo Alcântara, sócio da área trabalhista do Demarest Advogados, entende que a Instrução Normativa nº 41/2018, que regulamentou a aplicação das regras processuais introduzidas pela reforma, é um indicativo do que deve ser adotado pelo TST. “Ela foi o guia tanto para juízes quanto para advogados, para saber o que se aplicava da reforma de forma imediata”, afirma. A norma, acrescenta, “já deu o norte” e o mesmo racional de se adotar a vigência imediata da lei para todos deve ser aplicado aos temas nesse incidente. “Tem que aplicar a reforma trabalhista de uma forma total”, acrescenta. Segundo ele, caso o TST decida não aplicar as mudanças na CLT aos contratos antigos, haverá prejuízo para empresas e discriminação entre trabalhadores, com reflexo na empregabilidade dos mais antigos, que seriam mais custosos. Para a CUT, representada pelo escritório LBS Advogados, a reforma trabalhista não deve ser aplicada “às situações constituídas sobre a vigência da lei revogada ou modificada, devendo ser respeitados os direitos adquiridos”. A reforma, de acordo com a entidade, foi um “verdadeiro retrocesso às conquistas alcançadas pelos trabalhadores” e fere princípios de convenções internacionais, da Constituição Federal e da CLT, como o da irredutibilidade salarial. O caso em repetitivo no TST se refere a uma ex-trabalhadora da JBS, uma das maiores empresas do ramo alimentício do mundo, que pleiteia ser remunerada pelo tempo de deslocamento até o local de trabalho, prerrogativa que existia na CLT antes de 2017. Segundo ela, a multinacional deveria pagar hora extra pelo tempo gasto com o trajeto e também com café da manhã que tomava na firma e colocação do uniforme. Para a funcionária, que era faqueira no setor de abate, ela estava à disposição da JBS nesse período (IncJulgRREmbRep - 528-80.2018.5.14.0004). DA #10726358 v1 No entendimento do advogado da faqueira no caso, Vitor Noé, sócio-fundador do Vitor Noé Advogados, o contrato dela e de todos os outros trabalhadores deve ser regido pela CLT antiga. “As garantias e as regras não podem ser alteradas no meio do jogo”, diz ele. A funcionária perdeu em primeira e segunda instâncias, mas teve decisão favorável na 3ª Turma do TST. Os ministros condenaram a JBS ao pagamento das horas de deslocamento - 20 minutos diários extras, com adicional de 50%, devidos por um período de cinco anos, inclusive posterior à reforma trabalhista. A determinação ainda estipulou reflexos no 13º salário, férias e FGTS. No processo, a JBS diz que “está localizada em lugar de fácil acesso e amplamente atendida pelo transporte público local”, o que impediria a trabalhadora de pleitear a indenização. O coordenador jurídico da CNA, o advogado Rodrigo Hugueney afirma que no setor rural há muitos casos como o do processo, para o pagamento da chamada “hora in itinere”. “Para o setor rural, o problema não é pagar, mas é esse tempo ser considerado como hora de trabalho. Muitos trabalhadores gastam uma hora indo e voltando do trabalho, o que só deixava seis horas de trabalho efetivo no campo e reduzia a produtividade”, diz ele, que defende a aplicação retroativa. Em nota, o diretor jurídico da CNI, Cassio Borges, afirma que “não remanesce a obrigação de pagamento de direitos cuja exclusão ou alteração decorrem de incidência legal imediata, notadamente pelos contratos de trabalho serem de trato sucessivo”. Procurada, a JBS não quis se manifestar

 

fonte: Valor